segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Mãe surda, filhos ouvintes.


Uma das coisas mais desejadas na minha vida sempre foi a maternidade. Apesar de as pessoas não falarem, sei que pensaram e temeram que eu teria filhos surdos. Filhos. Por mim seriam 4, nunca me importei como eles seriam, mas me contentei com 2. Duas crianças que escutam muito bem, um menino e uma menina.
A maternidade ao mesmo tempo que me realiza expõe minha deficiência, preciso a todo momento pedir que meus filhos não fiquem na sala querendo contar as coisas enquanto estou  na cozinha. Percebo que no carro falam menos comigo do que quando estão com o pai, porque sei que respondo menos. Preciso repetir um trilhão de vezes o que tenho nos ouvidos, para que servem e que eles não precisam de aparelhos auditivos porque escutam bem. Já me senti frustrada por não saber responder que barulho eles estavam escutando, meu filho, principalmente, muito ligado aos sons sempre pergunta sobre os barulhos que muitas vezes não estou escutando.
Uma coisa que as pessoas não sabem sobre um deficiente auditivo é como a vida é tensa. Pelo menos para mim sempre foi. Sempre fui acusada, e muitas vezes justamente, por entender as coisas errado, já estava pensando em pedir para protocolar tudo o que as pessoas diziam. (RS)
Então ouvir e entender é tenso.
Viver é tenso.
Ser mãe é muito tenso.
Quando meu filho nasceu, fiquei sozinha na maternidade por falta de entendimento de direito ao acompanhante, quando levaram o bebe para a mamada da madrugada não desgrudei do meu AASI. Nem dormi direito a noite. Na verdade eu nunca mais dormi direito, quando voltei para casa e estava sozinha ia dormir no quarto do bebe para poder ouvi-lo, e contrariando o que algumas pessoas pensavam, acho que eu tenho me saído uma ótima mãe. Na verdade, ninguém nunca me disse que eu não seria boa mãe, mas eu pegava algumas sutilezas na conversa alheia. Coisas do tipo: “eu preciso cutucar, se não ela não acorda” e/ou “e se não tivesse eu quem chamaria?”, ou ainda uma preocupação de não me deixarem sozinha, principalmente com os bebes. Eu sei que existem mães que são completamente surdas e os filhos estão bem, se tem ajuda, não sei, mas espero que não tenha havido esse papo preconceituoso e diminutivo da capacidade de maternar. E confesso que no primeiro filho fiquei tão tensa com toda a novidade do bebe que muitas vezes eu precisei mesmo é que alguém ficasse com o bebe ao invés de me cutucar. Afinal, trocar fraldas, amamentar, fazer dormir um bebe que dorme pouco já tenso, quando as pessoas esperam que você não vai ouvir o bebe é mais tenso ainda. E a babá eletrônica ajuda, mas nem sempre.
E não sei porque me preocupei de mostrar as pessoas de que eu podia, se eu sempre soube que poderia. E em parte a surdez não me atrapalhou, pois o bebe novinho é uma situação nova, tensa, me lembro de no primeiro filho mal dormir, mal me alimentar, mal tomar banho. Coisas que com o segundo bebe mudei um pouco, a vida já estava tão loca com 2 crianças que não dava para ficar sem tomar banho, sem comer direito ou sem dormir. Nunca quis deixar filho nenhum chorando no berço, mas depois de muito tempo me negligenciando pelas crianças comecei a achar que não faria mal se chorassem um pouco no carrinho ao meu lado enquanto terminava de comer.
Algumas coisas sobre os sons são engraçadas como, por exemplo, as muitas vezes confundimos a sirene de ambulância vinda da rua com o choro do bebe (e nisto eu não estava sozinha, marido também esperava um pouco para saber se era o som da rua ou não).
Dois bebes num espaço de um ano e meio. Duas crianças que quando precisam choram muito bem. Falam e gritam. Perguntam 500 vezes as mesmas coisas. E nunca tive problema com isso, na verdade como disse, na minha vida as coisas sempre foram muito tensas, como rejeitei o uso de aparelhos até os 17 anos, ficava sempre em estado de alerta para tentar perceber se alguém estava falando comigo. No vídeo de aniversário de 80 anos da minha avó, eu devia estar com 13 anos, todos olham para frente, para a câmera e eu estou procurando referencias do que fazer, olhando para os lados e para trás. Lembro de ver minha vó falando, mas não entendendo uma palavra sequer, fico a espera do sinal que vai me mostrar que é hora de levantar a taça. Hoje isto não acontece assim por causa dos aparelhos mais potentes consigo relaxar um pouco e confiar no som, mas não quando estou em um local com muito ruído, num barzinho, numa reunião cheia de pessoas. E se as crianças estão comigo, fico perto o tempo todo, pois sei que não vou conseguir discriminar o som de qualquer chamado.
 E a maternidade não amenizou isso, cuidar de duas crianças e como ter olhos nas costas. Com eles estou atenta o tempo todo, onde estão, se estão por perto. Meu filho está com 5 anos e minha filha com 3 anos, percebo que é difícil ainda compreender o que é “não ouvir” quando se ouve tão bem.
E não me arrependo, pois meus filhos continuam sendo minha maior realização pessoal.

Já vi em alguns lugares filhos de pais surdos relatarem que é tenso viver com pais que não ouvem, pois os pais passem a ser alvo de preocupação e cuidado muito cedo para os filhos. Espero que eles sejam muito tranquilos quanto a isto. Afinal, ando São Paulo por todos os cantos, faço tudo por minha própria conta e não quero ser alvo de preocupação deles.

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