sexta-feira, 22 de maio de 2015

Crônicas da Surdez - o que deveria saber todos os médicos, psicólogos, professores e fonoaudiólogos.

Imagine estar de frente para o mar, as ondas num indo e vindo infinito (como disse Lulu Santos), sentir o cheiro da maresia, aquela brisa fresca no rosto....e não ouvir nada.

Eu sei o que é isso.
A Paula Pfeifer também, junto á nós 9,8 milhões de brasileiros de acordo com o IBGE (5,2% da população). E sabe que você também pode se juntar á nós, varias pesquisas apontam que acidentes, doenças como infecção constante no ouvido ou os maus hábitos como ouvir som alto nos fones de ouvido e exposição a ruídos muito altos no dia-a-dia podem ocasionar perda auditiva. Hoje cerca de 20% da população sofre de Zumbido que é sinal de perda auditiva. É preciso estar atento aos sinais de perda e procurar um Otorrinolaringologista que encaminhará para o exame de audiometria e diagnosticará corretamente, assim como fará a recomendação de uso da Aparelhos da Amplificação Sonora Individual (AASI) para perdas leves á severas ou Implante Coclear (IC) em caso de surdez profunda.
Estou aqui para falar dos livros que recomendo fortemente para quem convive com surdos oralizados e que fazem uso de AASI ou IC.
A Paula conhece bem esse caminho percorrido pelas pessoas que nascem ouvintes e aos poucos vão perdendo a audição. Conheci a Paula quando ela tinha o blog Sweetest Person Blog onde ela fala sobre moda, dicas de beleza e viagens, suas paixões. Um dia ela falou que era deficiente auditiva e aos poucos  vários seguidores passaram a contar sobre suas histórias com a deficiência, seja própria ou alheia: os preconceitos de ser uma deficiência invisível, da dificuldade de se falar sobre o assunto com outras pessoas e onde estão esses deficientes oralizados? Há uma forte crença de que todos os surdos são mudos e que são sinalizados,  está em seu grupo de pessoas surdas e que se comunica pela Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS), mas o surdo oralizado está entre os ouvintes e ao mesmo tempo não está. Foi á partir dos e-mails que ela recebeu que criou o blog Cronicas da Surdez para falar sobre as experiências dela como Deficiente Auditiva (DA). E o Blog foi tão bem divulgado, lido e aceito que virou livro. Lembro de me identificar com várias coisas que ela disse, todos meus anos como paciente em psicoterapia e todos os anos como psicologa não me disseram tanto sobre mim ou sobre a DA como a Paula e seus seguidores disseram.
Tanto no primeiro como o segundo livro, ela escreve com clareza, coerência e uma intimidade com o assunto, que senti como uma amiga contando sobre sua vida, talvez por isso a facilidade que todos tem para conversar com ela, seja por e-mail, facebook ou pessoalmente. 

No primeiro livro ela relata com clareza a dificuldade em que vivem os DAs (invisíveis). É uma leitura fundamental para médicos que darão diagnósticos do teste da orelhinha, ou que confirma que um paciente está com perda auditiva. Logo que dá um diagnóstico de deficiência auditiva o primeiro argumento do médico é (geralmente): "Olha, a tecnologia hoje é incrível, existem aparelhos muito pequenos que corrigem as pessoas jamais saberão que você está usando aparelhos." E isso é HORRÍVEL, chega a ser um crime, pois a pessoa passará a vida tentando se esconder atrás desse aparelho e desta mentira. Os AASIs realmente são de uma tecnologia impressionante, os aparelhos dados pelo SUS são de qualidade inferior aos que são comercializados e eles amplificam o som, tornando o som mais acessível ao DA, mas não tem o mesmo desempenho do ouvido humano. A vida não vai ser mais fácil com a pessoa se escondendo, ela vai ser bem mais difícil, porque o DA faz um esforço enorme para acompanhar as conversas, pois PRECISA fazer leitura labial e muitas vezes cansa de pedir para que o outro repita, grupos grandes são difíceis, lugares com muito ruido são difíceis, e se junta isso em um ambiente escuro coloca a conversa como algo quase impossível e os ouvintes continuam te tratando como um ouvinte qualquer, simplesmente porque não sabem. Então é melhor saber, certo? Otorrinolaringologistas, leiam estes livros, conversem com seus pacientes sobre seus temores e anseios, não incentivem que se escondam, tenham sempre um psicólogo que esteja habituado aos dilemas dos DAs e indique. Da mesma forma que o fonoaudiólogo é fundamental no processo de reabilitação auditiva, o Psicólogo é fundamental para auxiliar o paciente no processo de negação da DA e no resgate da auto-estima.
Outro ponto a considerar é que a invisibilidade da DA também se apresenta na lei, o DA não tem dierito a desconto na compra de veículos e nem dedução no Imposto de Renda para compra de prótese auditiva, como disse, os AASI comprados possuem uma alta performance na programação dos sons e tecnologia, mas a tecnologia custa caro. Os DAs não precisam ser escondidos da sociedade.
Hoje falamos tanto de Inclusão Escolar que esta leitura é fundamental para todos os professores, para saber conversar com seu aluno sem rodeios e adotar atitudes que melhoram o desempenho e a segurança dos alunos com DA em sala de aula. Sala de aula é uma situação tensa em qualquer idade. Quando o professor fala atrás do aluno ou andando pela sala de aula, submeter crianças ao "ditado" é quase um teste de audição, a criança que não ouve não consegue acompanhar o ditado do professor. Os ruídos da sala ou do pátio. As aulas ou palestras que são dadas em lugares escuros para uso do data-show é uma verdadeira Maratona. A Paula mesmo diz que ter terminado a faculdade foi uma verdadeiro teste de paciência. Quando tiver um aluno com suspeita de deficiência auditiva encaminhe para o Otorrino e peça que seja realizada uma audiometria. 

Os fonoaudiólogos devem ter esses livros como fundamentais para compreensão dos medos e anseios de seus pacientes. Paula conta muito sobre participação em congressos e encontros de fonoaudiologia e da importãncia do fonoaudiólogo no processo de reabilitação auditiva, mas os psicólogos não parecem dar muita importância para isto, muitos acham que sabem o suficiente. Vou contar porquê não sabem. 
Recomendo fortemente que esta leitura seja realizada por Psicólogos. Primeiramente porque fala da vida humana, fala da diversidade, fala do quanto o social é importante para a vida das pessoas, o quanto muitas vezes as pessoas estão rodeadas de pessoas a sua volta, mas sem a comunicação estão sozinhas. O quanto o silêncio pode ser confortável quando é uma opção e não uma imposição. 
No segundo livro, Paula conta sobre o sucesso e repercussão do seu primeiro trabalho e a sua experiência ao retorno dos sons com o Implante Coclear quando sua surdez, já num grau profundo a privava de estar no mundo, sair de sua zona de conforto e ser aquela pessoa que não ficava mais tensa com as situações sociais. Uma das partes do livro e que tem um post no Blog (o post está aqui), conta sobre sua participação em um Congresso em Campos do Jordão, onde, após os trabalhos um grupo de pessoas foram para um restaurante, a combinação: muitas pessoas + lugar escuro + lugar com muito barulho a fez desistir de participar da conversa e dormir. O cansaço e a tensão em acompanhar leitura labial para não perder as conversas ao longo do dia já haviam deixado- a exausta. Hoje ela diz que essa pessoa cansada, tensa e que estava ficando introvertida ficou no passado. Algumas coisas que a maioria faz com "naturalidade" como atender telefone, ouvir interfones e campainhas, o barulho do mar, do vento e da chuva faz parte da realidade dela novamente, ela não quis desistir do som. Na nova etapa da vida, agora com IC, também coube um amor. Acho que o próprio fato de se descobrir nas falas dos seus leitores fez com que a Paula nunca se deixasse abater pelo desânimo ou o stress que ela vivia com a deficiência e conseguir dar voz ás pessoas invisíveis. Como disse uma professora uma vez: nem todos precisam de terapia, algumas relações são terapêuticas por si só, mas isso não quer dizer que a psicoterapia perde sua função. O que funcionou para a Paula talvez não funcione para outros. Vejo alguns relatos de forte negação, dificuldade de aceitar ou de considerar o uso do AASI, de conseguir mostrar suas deficiência como se isto a fizesse menos digna. Nestes casos o profissional melhor capacitado para esta tarefa é o Psicólogo, portanto, leiam, se informem sobre as fragilidades humanas.


Por fim, conhecer a Paula pessoalmente foi uma grande realização. Acompanho o Blog dela desde 2009, trocamos alguns e-mails (talvez ela nem se lembre, devem ter muitos e-mails diarios para responder),  um dos meus e-mails foi publicado no espaço dos leitores do blog (está aqui) e outras vezes que ela esteve em São Paulo eu estive ocupada com minhas funções maternas. Fiz algumas amizades, tentei ajudar algumas pessoas. Desta vez fiz questão de ir ao lançamento do segundo livro, levei meus filhos que se divertiram muito no Espaço Escuta da Politec e oprtunizei que eles pudessem estar com crianças surdas que usam IC. Não tivemos muito tempo para conversar e sei que não nos fatará oportunidades. Sou muito fã do trabalho dela na divulgação dessas informações e desejo que ela esteja atingindo muitos profissionais com seus relatos. Seus textos me inspiram, inclusive, profissionalmente. Atraves do Blog conheci a psicologa Carla Rigamonte, no Programa Espaço Escuta e pudemos conversar sobre a Psicologia e a resistencia que, infelizmente, encontramos em nosso trabalho. 
Espero com isso poder abrir outros caminhos dentro de uma sociedade mais diversa.

Raquel A. Cassoli.
Psicologa - CRP06/61822
Professora Universitaria no UNIPAULISTANA.
Professora na Pos Graduação no UNIFAI.
Mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP
Doutoranda em Psicologia da Educação pela PUC-SP

P.S.:Outro livro e outro blog que também recomendo sobre o assunto é "Desculpe, Não ouvi" Da Lak Lobato.(clique aqui)- vale outro post.
Vale lembrar que cada caso é um caso, os surdos profundos que por algum motivo prefira a LIBRAS ou o mundo do silencio, ou porque não é candidato a rehabilitação auditiva deve etr seu direito respeitado. A LIBRAS pode ser um recurso a mais na vida dos DAs, o uso de Aparelhos ou Implantes não excluem o uso da LIBRAS.
Quando estava escrevendo este texto vi uma reportagem no Jornal Nacional que mostra um pouco sobre o uso do Implante Coclear e a dificuldade dos DAs. Voce pode assistir clicando aqui.
A Stakey, empresa de aparelhos auditivos criou um simulador para a perda auditiva, onde os ouvintes podem simular o som ouvido por um DA e parar de achar que as pessoas ouvem o que querem. Clique aqui para fazer uma simulação.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Oliver Sacks.



Ontem tive uma triste noticia, aos 81 anos, Oliver Sacks, que é um dos mais famosos neurologistas do mundo está com cancer em fase terminal  e esta se despedindo da vida. A noticia foi dada pelo próprio Oliver Sacks ontem no New York Times (Clique aqui para ver) em um texto que expoe com clareza sua relação com o mundo e mesmo proximo da morte, consegue perceber que ainda há aprendizado.
Oliver Sacks, fez parte da minha formação. Li "Um antropologo em Marte" ainda na faculdade. É neste mesmo livro que está a história de Virgil que foi transformada no lindo filme com Mira Sorvino e Val Kilmer chamado "A Primeira Vista", que muitas vezes trouxe a discussão com os alunos da graduação. "Tempo de Despertar" também virou um filme e foi brilhantemente interpretado por  Robin Williams, no papel de Sacks e Robert De Niro.
Quando comecei a querer entender melhor a surdez lá estava: "Vendo Vozes". Li "Alucinações Musicais" e  "O Homem que confundiu sua mulher com um chapeu". ainda não terminei "Mentes Assombradas" e já me causa pesar uma perda deste porte. Um cientista que consegue escrever seus casos clinicos de forma tão real e ao mesmo tempo tão humana. Quando seus personagens ganham vida no cinema é possivel perceber o quanto existe da busca do bem estar além do conhecimento cientifico.
Sua despedida mostra a serenidade de quem viveu, amou seu trabalho, sua familia e teve equilibrio e sua vida: "Eu não posso fingir que eu não tenho medo, mas o meu sentimento predominante é de gratidão. Eu amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca; eu li, viajei,  pensei e escrevi. Eu tive uma relação com o mundo, uma relação especial de escritores e leitores."
Parece facil lendo o que ele escreveu, mas poucas pessoas conseguem viver todos os dias de forma que não tenham muitas coisas para acertar no final da vida. Deixo antecipadamente minha homenagem a este cientista, e um grande abraço para todas as pessoas que se sentirem um pouquinho orfãs de sua escrita.  Segue a tradução de seu texto na integra feita por Karin Hueck do Glück Project:

MINHA PRÓPRIA VIDA - Oliver Sacks
Este texto foi publicado originalmente no New York Times em 19 de fevereiro de 2015. A tradução é da Karin Hueck.
Há um mês, eu sentia que estava em boas condições de saúde, robusto até. Aos 81 anos, ainda nado uma milha por dia. Mas a minha sorte acabou – há algumas semanas, descobri que tenho diversas metástases no fígado. Nove anos atrás, encontraram um tumor raro no meu olho, um melanoma ocular. Apesar da radiação e os lasers que removeram o tumor terem me deixado cego deste olho, apenas em casos raríssimos esse tipo de câncer entra em metástase. Faço parte dos 2% azarados.
Sinto-me grato por ter recebido nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte. O câncer ocupa um terço do meu fígado e, apesar de ser possível desacelerar seu avanço, esse tipo específico não pode ser destruído.
Depende de mim agora escolher como levar os meses que me restam. Tenho de viver da maneira mais rica, profunda e produtiva que conseguir. Nisso, sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósoos favoritos, David Hume, que, ao saber que estava terminalmente doente aos 65 anos, escreveu uma curta autobiografia em um único dia de abril de 1776. Ele chamou-a de “Minha Própria Vida”.
“Estou agora com uma rápida deterioração. Sofro muito pouca dor com a minha doença; e, o que é mais estranho, nunca sofri um abatimento de ânimo. Possuo o mesmo ardor para o estudo, e a mesma alegre companhia de sempre.”
Tive sorte de passar dos oitenta anos. E os 15 anos que me foram dados além da idade de Hume foram igualmente ricos em trabalho e amor. Nesse tempo, publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (um pouco mais longa do que as poucas páginas de Hume) que será publicada nesta primavera; tenho diversos outros livros quase terminados.
Hume continua: “Eu sou… um homem de disposição moderada, de temperamento controlado, de um humor alegre, social e aberto, afeito a relacionamentos, mas muito pouco propenso a inimizades, e de grande moderação em todas as minhas paixões.”
Aqui eu me distancio de Hume. Apesar de desfrutar de relações amorosas e amizades e não ter verdadeiros inimigos, eu não posso dizer (e ninguém que me conhece diria) que sou um homem de disposições moderadas. Pelo contrário, sou um homem de disposições veementes, com entusiasmos violentos e extrema imoderação em minhas paixões.
E ainda assim, uma linha do ensaio de Hume me toca como especialmente verdadeira: “É difícil”, ele escreveu, “estar mais separado da vida do que eu estou no presente.”
Nos últimos dias, consegui ver a minha vida como a partir de uma grande altura, como um tipo de paisagem, e com uma sensação cada vez mais profunda de conexão entre todas suas partes. Isso não quer dizer que terminei de viver.
Pelo contrário, eu me sinto intesamente vivo, e quero e espero, nesse tempo que me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar se eu tiver a força, e alcançar novos níveis de entendimento e discernimento.
Isso vai envolver audácia, claridade e, dizendo sinceramente: tentar passar as coisas a limpo com o mundo. Mas vai haver tempo, também, para um pouco de diversão (e até um pouco de tolice).
Sinto um repentino foco e perspectiva nova. Não há tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não devo mais assistir ao telejornal toda noite. Não posso mais prestar atenção à política ou discussões sobre o aquecimento global.
Isso não é indiferença, mas desprendimento – eu ainda me importo profundamente com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade social, mas isso não é mais assunto meu; pertence ao futuro. Alegro-me quando encontro jovens talentosos – até mesmo aquele que me fez a biópsia e chegou ao diagnóstico de minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.
Nos últimos dez anos mais ou menos, tenho ficado cada vez mais consciente das mortes dos meus contemporâneos. Minha geração está de saída, e sinto cada morte como uma ruptura, como se dilacerasse um pedaço de mim mesmo. Não vai haver ninguém igual a nós quando partirmos, assim como não há ninguém igual a nenhuma outra pessoa. Quando as pessoas morrem, não podem ser substituídas. Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, porque é o destino – o destino genético e neural – de cada ser humano ser um indivíduo único, achar seu próprio caminho, viver sua própria vida, morrer sua própria morte.
Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial do escritor e leitor.
Acima de tudo, fui um ser sensível, um animal pensante nesse planeta maravilhoso e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.
Oliver Sacks é neurologista e escritor, autor de diversos best-sellers, como “Um antropólogo em Marte”, "Tempo de despertar" e “O Homem que confundiu sua mulher com um chapéu”