sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Oliver Sacks.



Ontem tive uma triste noticia, aos 81 anos, Oliver Sacks, que é um dos mais famosos neurologistas do mundo está com cancer em fase terminal  e esta se despedindo da vida. A noticia foi dada pelo próprio Oliver Sacks ontem no New York Times (Clique aqui para ver) em um texto que expoe com clareza sua relação com o mundo e mesmo proximo da morte, consegue perceber que ainda há aprendizado.
Oliver Sacks, fez parte da minha formação. Li "Um antropologo em Marte" ainda na faculdade. É neste mesmo livro que está a história de Virgil que foi transformada no lindo filme com Mira Sorvino e Val Kilmer chamado "A Primeira Vista", que muitas vezes trouxe a discussão com os alunos da graduação. "Tempo de Despertar" também virou um filme e foi brilhantemente interpretado por  Robin Williams, no papel de Sacks e Robert De Niro.
Quando comecei a querer entender melhor a surdez lá estava: "Vendo Vozes". Li "Alucinações Musicais" e  "O Homem que confundiu sua mulher com um chapeu". ainda não terminei "Mentes Assombradas" e já me causa pesar uma perda deste porte. Um cientista que consegue escrever seus casos clinicos de forma tão real e ao mesmo tempo tão humana. Quando seus personagens ganham vida no cinema é possivel perceber o quanto existe da busca do bem estar além do conhecimento cientifico.
Sua despedida mostra a serenidade de quem viveu, amou seu trabalho, sua familia e teve equilibrio e sua vida: "Eu não posso fingir que eu não tenho medo, mas o meu sentimento predominante é de gratidão. Eu amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca; eu li, viajei,  pensei e escrevi. Eu tive uma relação com o mundo, uma relação especial de escritores e leitores."
Parece facil lendo o que ele escreveu, mas poucas pessoas conseguem viver todos os dias de forma que não tenham muitas coisas para acertar no final da vida. Deixo antecipadamente minha homenagem a este cientista, e um grande abraço para todas as pessoas que se sentirem um pouquinho orfãs de sua escrita.  Segue a tradução de seu texto na integra feita por Karin Hueck do Glück Project:

MINHA PRÓPRIA VIDA - Oliver Sacks
Este texto foi publicado originalmente no New York Times em 19 de fevereiro de 2015. A tradução é da Karin Hueck.
Há um mês, eu sentia que estava em boas condições de saúde, robusto até. Aos 81 anos, ainda nado uma milha por dia. Mas a minha sorte acabou – há algumas semanas, descobri que tenho diversas metástases no fígado. Nove anos atrás, encontraram um tumor raro no meu olho, um melanoma ocular. Apesar da radiação e os lasers que removeram o tumor terem me deixado cego deste olho, apenas em casos raríssimos esse tipo de câncer entra em metástase. Faço parte dos 2% azarados.
Sinto-me grato por ter recebido nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte. O câncer ocupa um terço do meu fígado e, apesar de ser possível desacelerar seu avanço, esse tipo específico não pode ser destruído.
Depende de mim agora escolher como levar os meses que me restam. Tenho de viver da maneira mais rica, profunda e produtiva que conseguir. Nisso, sou encorajado pelas palavras de um dos meus filósoos favoritos, David Hume, que, ao saber que estava terminalmente doente aos 65 anos, escreveu uma curta autobiografia em um único dia de abril de 1776. Ele chamou-a de “Minha Própria Vida”.
“Estou agora com uma rápida deterioração. Sofro muito pouca dor com a minha doença; e, o que é mais estranho, nunca sofri um abatimento de ânimo. Possuo o mesmo ardor para o estudo, e a mesma alegre companhia de sempre.”
Tive sorte de passar dos oitenta anos. E os 15 anos que me foram dados além da idade de Hume foram igualmente ricos em trabalho e amor. Nesse tempo, publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (um pouco mais longa do que as poucas páginas de Hume) que será publicada nesta primavera; tenho diversos outros livros quase terminados.
Hume continua: “Eu sou… um homem de disposição moderada, de temperamento controlado, de um humor alegre, social e aberto, afeito a relacionamentos, mas muito pouco propenso a inimizades, e de grande moderação em todas as minhas paixões.”
Aqui eu me distancio de Hume. Apesar de desfrutar de relações amorosas e amizades e não ter verdadeiros inimigos, eu não posso dizer (e ninguém que me conhece diria) que sou um homem de disposições moderadas. Pelo contrário, sou um homem de disposições veementes, com entusiasmos violentos e extrema imoderação em minhas paixões.
E ainda assim, uma linha do ensaio de Hume me toca como especialmente verdadeira: “É difícil”, ele escreveu, “estar mais separado da vida do que eu estou no presente.”
Nos últimos dias, consegui ver a minha vida como a partir de uma grande altura, como um tipo de paisagem, e com uma sensação cada vez mais profunda de conexão entre todas suas partes. Isso não quer dizer que terminei de viver.
Pelo contrário, eu me sinto intesamente vivo, e quero e espero, nesse tempo que me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar se eu tiver a força, e alcançar novos níveis de entendimento e discernimento.
Isso vai envolver audácia, claridade e, dizendo sinceramente: tentar passar as coisas a limpo com o mundo. Mas vai haver tempo, também, para um pouco de diversão (e até um pouco de tolice).
Sinto um repentino foco e perspectiva nova. Não há tempo para nada que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus amigos. Não devo mais assistir ao telejornal toda noite. Não posso mais prestar atenção à política ou discussões sobre o aquecimento global.
Isso não é indiferença, mas desprendimento – eu ainda me importo profundamente com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade social, mas isso não é mais assunto meu; pertence ao futuro. Alegro-me quando encontro jovens talentosos – até mesmo aquele que me fez a biópsia e chegou ao diagnóstico de minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.
Nos últimos dez anos mais ou menos, tenho ficado cada vez mais consciente das mortes dos meus contemporâneos. Minha geração está de saída, e sinto cada morte como uma ruptura, como se dilacerasse um pedaço de mim mesmo. Não vai haver ninguém igual a nós quando partirmos, assim como não há ninguém igual a nenhuma outra pessoa. Quando as pessoas morrem, não podem ser substituídas. Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, porque é o destino – o destino genético e neural – de cada ser humano ser um indivíduo único, achar seu próprio caminho, viver sua própria vida, morrer sua própria morte.
Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial do escritor e leitor.
Acima de tudo, fui um ser sensível, um animal pensante nesse planeta maravilhoso e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.
Oliver Sacks é neurologista e escritor, autor de diversos best-sellers, como “Um antropólogo em Marte”, "Tempo de despertar" e “O Homem que confundiu sua mulher com um chapéu”

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